Daniel Senise

Diálogo entre palavras e imagens: Ignácio de Loyola Brandão e Daniel Senise

Cecilia Almeida Salles

Texto publicado em Arquivos de Criação: Arte e Curadoria de Cecilia Almeida Salles, Vinhedo, 2010

Após discutir aquilo que a ampla documentação, tanto de Loyola quanto de Senise, me possibilitou conhecer sobre algumas das especificidades de seus processos de criação, gostaria de ressaltar que, como deve ter ficado claro, ambos os artistas fazem uso de um intenso diálogo entre palavra e imagem. Sabe-se que isso não é característico só desses artistas, pois os registros de processo são quase sempre marcados por uma trama de linguagens.

Essa característica de natureza geral (como qualquer outra) viabiliza uma crítica de processo comparativa. Poderíamos, neste caso, ter o diálogo entre palavra e imagem como denominador comum e discutir as singularidades dos papéis desempenhados por essas linguagens nos processos de ambos artistas. Embora esse modo de aproximação de tais percursos de criação tenha sido explorado em outra pesquisa, transporto para este contexto somente algumas conclusões, para que possamos destacar essa possibilidade metodológica.

A interrelação de imagem e palavra propõe uma comparação das diferentes funções desempenhadas nos percursos criativos de Loyola e Senise, tendo-se em mente o objetivo de buscar a melhor compreensão dos modos de funcionamento desse pensamento em criação.

(REDE DE LINGUAGENS — O processo criador tende para a construção de um objeto em uma determinada linguagem ou uma interrelação delas, dependendo da manifestação artística. Seu percurso, no entanto, é feito de palavras, imagens, sons, gestualidade etc. Os artistas não fazem seus registros, necessariamente, nas linguagens em que as obras se concretizarão; esses apontamentos, quando necessários, passam por traduções. As linguagens que compõem esse tecido e as relações estabelecidas entre elas dão a singularidade a cada processo.)

Sob esse ponto de vista, observamos que, no caso de Senise, essas linguagens apresentam papéis bem definidos: imagem e palavra dialogam de modos diversos, porém não há dúvida no que diz respeito à primazia da imagem. Mesmo quando a palavra ocupa maior espaço, está a serviço da visualidade, ou seja, são reflexões gerais, relativas a seu projeto artístico e à concretização deste em algumas obras. A palavra, nesses momentos, ganha força e relevância, na medida em que sustenta o trabalho plástico.

O verbal revela-­se assim na busca de sistematização de princípios ou conceitos que direcionam sua pintura. Senise parece sentir necessidade de explicitação desses princípios para si mesmo.

A anotação verbal pertence, portanto, somente ao mundo privado da sua criação, como se o pensamento visual, desenvolvido nas páginas dos livros, fosse observado, explicado e julgado pela palavra não pública.

Por outro lado, enquanto as imagens nos cadernos se mostram titubeantes e frágeis, as palavras pertencem a um ambiente envolto por mais certezas. Não são notas esparsas que refletem pensamentos soltos, mas princípios que se constroem, formando um corpo teórico sólido.

A palavra mostra um pensamento visual que não caminha sem ponderações de natureza geral. Essa fundamentação teórico-verbal, que vai encontrando suas definições ao longo do tempo, acompanha e sustenta as metamorfoses sofridas pela visualidade. Provavelmente, essas modificações que a visualidade sofre são responsáveis pela melhor compreensão, por parte do artista, daquilo que lhe parece ser o que ele busca.

Discute-­se que toda práxis envolve uma teoria que, no caso de Senise, necessita de algum tipo de organização e encontra nas reflexões verbais seu meio de materialização.

A palavra conceitua a visualidade

No caso de Loyola, vimos o poder da imagem na construção de Não Verás País Nenhum.

A visualidade tem uma história longa nesse percurso criativo e ainda é levada, com bastante vigor, para a obra, sob diferentes formas. Assim, as características visuais dos documentos privados invadem o espaço da obra, que se torna pública. Podemos dizer que o pensamento desse escritor é visual, no sentido que, em muitos momentos, as ideias se desenvolvem a partir de diagramas visuais. Estes parecem desempenhar um papel importante no modo de desenvolvimento da obra em construção: a condensação da visualidade passa por um processo de expansão, quando traduzida verbalmente. Seria um modo de pensar que se organiza com o auxílio da visualidade.

O acompanhamento teórico-crítico dessas documentações permitiu, portanto, tomar a discussão sobre a interação palavra e imagem como algo que esses dois percursos tinham em comum e que traziam à tona, de modo bastante significativo, questões relativas a alguns modos de desenvolvimento dos artistas.

Como desdobramento desse estudo, cujo resumo apresento a seguir, observei a relevância do desenho em uma grande diversidade de processos criativos. E, assim, desenvolvi uma discussão sobre o desenho como campo de investigação.

Os desenhos, que fazem parte dos percursos de criação, estão em condição de passagem, por serem um dos instrumentos que o artista lança no percurso de desenvolvimento de seu pensamento. Eles cumprem diferentes funções e exibem grande potencial criador. São representações gráficas que se mostram como um meio possível de o artista armazenar reflexões, dúvidas, problemas ou possíveis soluções.

Essas reflexões visuais não se limitam à imagem figurativa, abarcam diferentes formas de representação visual de um pensamento. São diagramas ou desenhos de um pensamento que guardam conexões, sob a forma de organização de ideias: hierarquizações, subordinações, coordenações, deslocamentos, oposições, ações mútuas etc.

Recorrer a essa forma de anotação visual se relaciona à sua agilidade, no que diz respeito ao tempo de execução, assim como à sua capacidade de reter uma grande densidade de informações de forma sintética, a ser depois expandida.

Esses desenhos são vistos, também, como espaço para jogos de imaginação, quando dão concretude ao universo ficcional em processo de desenvolvimento.

No caso das artes visuais, os desenhos aparecem em cadernos e anotações de artistas, na maioria dos casos, como concretização do desenvolvimento de um pensamento marcadamente visual. No entanto, desempenham também essa função de passagem, e sofrem traduções em meio à própria visualidade. São também desenhos de trabalho, como em outras manifestações artísticas, que atuam como promessas preliminares de realidade.

Diagramas, de um modo geral, agem como campo de investigação, ou seja, são registros da formulação de hipóteses artísticas que vão sendo testadas ao longo do processo. Essa sua natureza móvel mostra o artista tateando o que deseja ou o que busca, portanto, sua mobilidade está relacionada ao tempo da experimentação.

Os desenhos da criação são peças de uma rede de ações bastante intrincada, que leva o artista à construção de suas obras. São desenhos de passagem, pois são transitórios; são geradores, pois têm o poder de engendrar formas novas.

 

 

 

 

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